A soberania de Deus pode ser conhecida de diversas formas, inclusive por meio do controle que possui na história da humanidade. No que diz respeito à história, Deus sempre levantou homens e mulheres que contribuíram diretamente para o avanço da obra que está realizando na terra, que nos servem como motivação, exemplo, direção, conduzindo-nos principalmente a reconhecermos a grandeza de Deus.
A História da Igreja comprova a Soberania de Deus nesse sentido, principalmente pelo fato de que em tempos de grandes trevas espirituais, abandono da fé genuína e esfriamento espiritual de Seu povo, o Senhor sempre se utilizou de pessoas para proclamar um despertamento espiritual. E, sem dúvida, é impossível lermos esta história e não depararmos com Jonathan Edwards, pastor congregacional do século XVIII, que se destacou como teólogo, filósofo, missionário, e exerceu papel fundamental naquilo que ficou conhecido como o Primeiro Grande Despertamento. Thomas Chalmers afirmou o seguinte a respeito de Edwards:
Não podemos nos despedir de Edwards sem afirmarmos toda a medida da reverência que temos por ele. O teólogo americano propicia, talvez, o exemplo mais extraordinário nos tempos modernos de alguém que era ricamente dotado em discernimento tanto natural quanto espiritual – e não sabemos o que admirar mais nele: a profunda filosofia que fluía da sua caneta ou a piedade humilde e inocente que emanava do seu púlpito... Como filósofo, ele podia discernir, e discernir verdadeiramente, entre o autêntico e o falso no cristianismo. Mas foi na sua capacidade de pastor humilde e dedicado que o cristianismo foi feito, ou que o cristianismo foi multiplicado, em suas mãos. (MURRAY, 2015, p. 16)
Não há dúvidas a respeito da importância e grandeza da vida, ministério e contribuição de Jonathan Edwards para a igreja de Cristo de sua época e de nossos dias. No entanto, ele não está fora da lista dos gigantes da história que, embora seja reconhecido por muitos, sofre alguma medida de injustiça, seja ela voluntária ou involuntariamente.
Um exemplo disso é a maneira como a grande maioria dos cristãos na atualidade vê a contribuição de Edwards, mui especialmente em círculos pentecostais, do qual faço parte – motivo pelo qual me sinto à vontade em abordar este assunto. Embora os pentecostais amem, admirem e comentem sobre Jonathan Edwards, todavia, toda ênfase que dão ao grande teólogo do avivamento é fundamentada em pelo menos duas fontes de informações:
1) pouquíssimas (quase nenhuma) obras publicadas por pentecostais a respeito de Edwards, em língua portuguesa; 2) comentários que circulam entre irmãos de fé, e que nem sempre retratam toda a verdade dos fatos.
Há poucos dias precisei pesquisar a respeito de Jonathan Edwards sob a perspectiva dos pentecostais, e tive uma triste e desagradável surpresa, pois não encontrei nada além de duas excelentes obras publicadas pela CPAD e um pequeno artigo a respeito da experiência de Sarah Pierpont, esposa de Edwards.[1] A escassez de material dessa natureza revela o quão pouco se sabe sobre Jonathan Edwards e de sua efetiva contribuição com a igreja do Senhor Jesus, e o pouco que se conhece limita-se a elogios à vida piedosa e santa que levou, e claro, seu famoso sermão “Pecadores nas Mãos de um Deus Irado” [2], mais pelo resultado que provocou nas pessoas presentes do que propriamente dito pelo conteúdo da mensagem em si.
O que se conclui é que, embora muito se fala em Edwards entre pentecostais, mas o que realmente se sabe sobre sua vida e principalmente de sua produção teológica, é muito pouco. Portanto, o mínimo que devemos fazer é reconhecer que estamos em dívida, não com Jonathan Edwards, mas conosco mesmo, afinal, à medida que nos aprofundarmos em seus escritos, chegaremos à conclusão do quanto deixamos de ganhar e crescer por não termos buscado isso antes.
Jonathan Edwards pode contribuir com jovens cristãos que desejam viver em santidade e dedicarem-se a Deus; pode servir de exemplo a pastores em vários aspectos do ministério, tais como, dedicação, amor pelo rebanho, como lidar com a oposição e rejeição; ele também tem grande contribuição missionária, já que trabalhou entre os índios como missionário, quando deixou a igreja em Northampton, por ocasião de uma fatídica eleição que perdeu, em virtude de sua posição sobre quem tinha direito a participar da comunhão da igreja; além disso, ele também pode contribuir eficazmente com aqueles que desejam equilibrar intelectualidade com espiritualidade, afinal, Edwards é considerado o maior teólogo já conhecido nos Estados Unidos, e nem por isso deixou de ter tido uma vida consagrada e dedicada à oração. No entanto, nenhuma outra contribuição é maior para nós pentecostais do que sua teologia em torno do assunto do avivamento, e sobre sua contribuição nessa área, leiamos o que Luiz Roberto França de Mattos escreve:
Jonathan Edwards (1703-1758), teólogo, filósofo, mas primeiramente um pastor, enfrentou esse desafio. Ele aceitou a tarefa de avaliar a confiabilidade do avivamento, julgando se este deveria ser considerado uma obra de Deus. A fim de realizar essa tarefa, ele utilizou dois elementos principais: uma cuidadosa investigação dos fatos históricos, adotando como referência primária o que estava acontecendo em sua própria igreja em Northampton, e, mais especialmente, uma cuidadosa investigação dos dados bíblicos, sistematizando todo o ensino das Escrituras sob princípios gerais, que foram úteis e relevantes para o seu propósito de oferecer um guia seguro para si mesmo, para a sua igreja local e, em última análise, para a sua própria geração. (FRANÇA DE MATTOS, 2006, p. 36)
Edwards esteve no centro dos principais acontecimentos do Primeiro Grande Despertamento, tanto na condição de pastor de uma igreja que experimentou o avivamento, como também como aquele que foi o responsável em lidar com os excessos dos que aceitaram este despertamento, e com os que se levantaram contra, alegando várias razões para isso, principalmente a ênfase – segundo o que eles diziam – que se dava às emoções. É exatamente nesse sentido que Jonathan Edwards foi levantado por Deus para estabelecer um ponto de equilíbrio entre as partes, de onde então foi desenvolvida sua teologia do avivamento, através de várias obras que foram sendo aperfeiçoadas à medida que o tempo passava, os fatos ocorriam e ele tinha de se posicionar.
Há muitas obras produzidas por Jonathan Edwards capazes de contribuir significativamente com o desenvolvimento e amadurecimento da doutrina pentecostal. No entanto, me limito à utilização de duas somente, que me servirão ao propósito duplo de: 1) mostrar a sensibilidade, clareza, objetividade e firmeza de Edwards quanto à necessidade, importância e formas de avaliação da natureza dos fenômenos de um avivamento; 2) incentivar e motivar meus irmãos pentecostais a dedicarem-se à leitura e pesquisa sobre a vida e as obras deste gigante da fé.
Em uma pequena, porém relevante e imprescindível obra, chamada “A Verdadeira Obra do Espírito: Sinais de Autenticidade”, Edwards diz o seguinte:
Assim, meu intuito agora é mostrar quais são os sinais verdadeiros, certos e distintivos de uma obra do Espírito de Deus, pelos quais podemos nos guiar seguramente ao julgarmos qualquer ação que encontramos em nós mesmos ou nos outros. Nesse ponto, eu observaria que em tais casos devemos tomar as Escrituras como nosso guia. Elas são a grandiosa e definitiva regra de fé dada por Deus à sua igreja, para orientá-la nas coisas relativas aos principais aspectos das almas de seus redimidos, além de serem uma norma suficiente e infalível. Com certeza, foram dadas evidências suficientes para que a igreja fosse guiada na importante tarefa de discernir os espíritos. Sem elas, a igreja estaria sujeita a ilusões dolorosas e irremediavelmente exposta a ser subjugada e devorada por seus inimigos. Não precisamos ter medo de confiar nessas regras de fé. Sem sombra de dúvida, o Espírito que inspirou as Escrituras sabia como dispor boas regras, por meio das quais fôssemos capazes de distinguir suas atuações de tudo aquilo que falsamente alega proceder dele. (EDWARDS, 2010, p. 11)
As palavras citadas acima nos colocam diante da necessidade que igreja tem de discernir e avaliar a natureza de determinadas obras, que geralmente são consideradas de Deus. Além disso, as palavras de Edwards nos mostram que, além dessa necessidade, a igreja precisa despertar-se para realizar essa avaliação por meio das Escrituras, única fonte segura para isso, tendo em vista evitar enganos e misturas. Aliás, ele tinha grande preocupação quanto à intenção de Satanás em prejudicar a linda obra de avivamento que estava ocorrendo em seus dias, e os métodos usados para isso que, de acordo com ele, era pela disseminação do excesso e da mistura.
A respeito disso, Jonathan Edwards é muito claro em seu famoso e indispensável livro “Afeições Religiosas”, ao escrever:
É difícil ser amigo zeloso e sincero do que há de bom e glorioso nas recentes e extraordinárias manifestações e muito regozijar-se nisso; e perceber, ao mesmo tempo, a tendência maligna e perniciosa do que é mau e opor-se a isso sinceramente... é por causa da mistura de religião falsificada com a verdadeira, mistura não percebida nem distinguida, que o Diabo tem tido, desde o início até hoje, a maior vantagem contra a causa e o reino de Cristo. É sobretudo por isso que o Maligno tem prevalecido contra todos os avivamentos da religião que já aconteceram desde o estabelecimento da igreja cristã. (EDWARDS, 2018, p. 10-11)
Este alerta feito por Edwards em meados do século XVIII ecoa ainda em nossos dias, e deve estar presente em nossas análises atuais, principalmente no que diz respeito ao que chamamos de Pentecostalismo Clássico, visando principalmente os excessos e as distorções teológicas, criando assim uma base ainda mais sólida para a nossa teologia. Sendo assim, encerro este breve artigo, incentivando a todos pentecostais a lermos, pesquisarmos e produzirmos obras em torno desta importante figura da história do cristianismo, com vistas a glória de Deus e a edificação da igreja.
[1] Os excelentes livros publicados pela CPAD são: “Heróis da Fé” de Orlando Boyer, tendo sido feitas muitas edições em virtude de seu expressivo sucesso; “Pecadores nas Mãos de um Deus Irado”, que é uma série de sermões pregados por Edwards. Quanto ao artigo, o mesmo foi publicado pelo Site Gospel Prime no dia 02/05/2017 e é de autoria de Tiago Rosas.
[2] A respeito desta famosa pregação de Edwards, incentivo você a ler “A História por trás de Pecadores nas Mãos de um Deus Irado” que é parte do excelente livro “A Breve Vida de Jonathan Edwards”, lançado pela Editora Fiel, de autoria de George Marsden.
BIBLIOGRAFIA
MURRAY, I. Jonathan Edwards – Uma Nova Biografia. São Paulo, SP: PES, 2015
FRANÇA DE MATTOS, L. R. Jonathan Edwards e o Avivamento Brasileiro. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2006
EDWARDS, J. A Verdadeira Obra do Espírito – Sinais de Autenticidade. São Paulo, SP: Vida Nova, 2010
EDWARDS, J. Afeições Religiosas. São Paulo, SP: Vida Nova, 2018
Elias Torralbo é pastor, escritor, articulista, mestre em Teologia, Diretor Executivo da FAESP – Faculdade Evangélica de São Paulo, casado com Jocelma, pai de Sofia e Hadassa com as quais congrega na Assembleia de Deus do Belém em Guarulhos.
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